A verdade é que há uma estrada e que nessa estrada cabe
tudo que você buscar ou receber, por sorte ou azar. A grande verdade é essa. Seria
fácil se essa estrada tivesse apenas bifurcações. Para os otimistas, 50% de
chances de acerto, metade do copo cheio, etc. Para os pessimistas, meio copo
esvaziado, metade de chance de fracasso. A verdade é que não há. Ou melhor, não
há apenas bifurcações. Nessa estrada, há labirintos, subidas, open bar, descidas, abismos, oasis (And all the roads we
have to walk are winding).
Seria prático se, no começo dela, recebêssemos um mapa,
ou manual de instrução (oi, Perec!), mas não seria tão divertido. Seria
interessante se houvesse, pelo menos, um objetivo a atingir: conquistar Vladivostok,
Aral e mais um território à sua escolha. Não há meta. Ou melhor, a meta é ir o
mais longe que puder/conseguir, a direção é um detalhe, importante, mas detalhe.
Devanear é um jeito de dar uma descansada. Como eu, aqui,
agora, procrastinando a viagem. Tentando entender se é melhor recuar ou
desviar, claramente fugindo do embate logo ali, em frente. Dando voltas atrás
do próprio rabo. Devanear também é um jeito de definir qual das 300 bilhões de
possibilidades você não pode aceitar, embora esse cálculo sirva, na maioria das
vezes, somente como um freio medroso. E à essa altura, devido ao desgaste do
freio, ele já não funcione tão bem. E, quando comparado ao acelerador, ele pareça
completamente destruído e inútil.
Aí tem aquela hora em que você cansou de dar voltas (ou,
na verdade, está nauseada, mas sabe que o uso do eufemismo está aí pra isso
mesmo, dissimulação nível Capitu: Não tenho gastrite, tenho azia. Não estou com
raiva, estou na minha, etc.) e que tem que escolher se ou vai ou racha, se volta
sem ir, se pega a saída de emergência, se sai à francesa, se segura na mão de
Deus e vai... Bom, as opções são infinitas. A hora é de escolher.
Acontece que eu estou no limbo de transição entre os
devaneios e a escolha. Acontece que, por ter mais de 20 anos, eu sei que minhas
escolhas são só parte dessa conversa toda, porque não consegui privatizar essa
estrada, e, inevitavelmente, vão ter muitos cruzamentos, cruzetas e
encruzilhadas (redundantemente redundantes), algumas com cachaça, farofa e galinha
(Eparrei Oyá, saravá!). E às vezes o Diabeux vai querer construir 14 prédios de
milhões de andares no meu caminho, e eu vou ter que saber a hora de fincar o pé
e a hora de avançar.
O medo foi um dos meus companheiros mais constantes,
durante todo o percurso. Por ele, evitei quebrar a cara algumas vezes; em
outras, perdi um bocado de surpresas agradáveis ou experiências importantes. O
medo se disfarça de preguiça, de impossibilidade, de orgulho, de falta de
dinheiro, de frustração. O medo é um bichinho tinhoso e safo demais.
De um lado Riobaldo me entende: “O senhor escute meu coração,
pegue no meu pulso. O senhor avista meus cabelos brancos... Viver — não é? — é
muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o
viver, mesmo”. Do outro, Caetano instiga: “Deixo
fluir tranquilo / Naquilo tudo que não tem fim / Eu que existindo, tudo comigo,
depende só de mim / Vaca, manacá, nuvem, saudade / Cana, café, capim / Coragem
grande é poder dizer sim”. Calculo a vida e concluo o infinito. E, na
impossibilidade de controlar o que não tem medida, vou na onda de Baby, canto
junto “tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso”, saio do lugar. Leminski
abençoa: “Parar dá azar”.