sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sentidos

Dessas ausências de som que doem no ouvido. No não dito de dizer à flor da pele. O verbo ultrapassando as fronteiras das ferramentas corporais para isso e aquilo. Desafiando as leis da anatomia humana e transpondo nossa alma além. Essa que grita sua necessidade funda e que bate nota por nota em nossas entranhas sem sair. Não vibra nas cordas vocais, mas faz tremer as carnes. Sufoca a respiração, que briga com a língua pela passagem do ar. Mas não vai. É preciso outras e novas ferramentas. É preciso olhos, olfato, pele. É preciso mais. 

Ser palavra não basta.

sábado, 23 de novembro de 2013

Continuum

Só houve um momento em que a sua partida não seria o fim, Bomba H na sua existência. O corpo em pé, sem vida, a alma ia. Talvez, outro dia, se reencontrasse, entre as folhas de um livro, entre as notas de uma música ou num quadro de Van Gogh. Mas sabia que no instante em que ele partisse, ela partia também, pra outra vida, que já se iniciava com uma ferida, com uma dor aguda, com uma ausência.
Naquele momento em que podia deixá-lo ir, em que percebera que sua ida seria a melhor saída, ele pediu, com calma, pra ficar...
Sem fim.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Quebra-cabeça ou junta-coração?



Brincando de pique-esconde com o passado, fui descoberta embaixo da cama, com medo do monstro de ontem que vive dentro do armário. Fechar a porta não adianta. Cercar-se de quatro arestas bem definidas não é deixar de existir; é apenas limitar a condição de existência a um quadrado perfeito e conhecido. Bonito mesmo é entender-se como pedacinhos de lembranças. Um quebra-cabeça humano de infinitas peças é o que somos.




sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Consumar e não consumir


Me pergunto, sinceramente, quais foram os motivos que me levaram a comprar o celular tal, que custava metade do meu salário e tinha os mesmos benefícios que o outro que não tinha a maçã mordida. Me pego, vez ou outra, caindo nessas armadilhas deslumbrantes de consumir o que não posso para saciar a necessidade que não tenho.
Isso vai em roupas; sapatos; eletrônicos, que eu uso, mas nem tanto, mas nem sempre, mas nem lembro... O kindle, coitado, não superou nenhum dos cinco livros novos com aquele cheirinho de delícia que a maioria dos livros tem.
No celular, não sei nem botar música, creia! Meu computador poderia ser substituído por uma máquina de escrever facilmente (papel e caneta não, pois sou preguiçosa). Se eu pagasse pra usar o Word estaria, certamente, falida, mas, novamente, pra baixar uma música, filme ou assistir um seriado só Jesus segurando a minha mão.
Felizmente, consigo me conter em relação à maioria dos impulsos, já passei da minha fase Becky Bloom. Hoje, só vez em quando, mas quando acontece bate aquele remorso. Não é que eu me arrependa do Kindle (afinal, a eternidade de livros que tem dentro dele esperando por mim aquece e acalma meu coração, que tenta ser consciente) ou do celular, que virou meu computador para acesso às redes de relacionamento. Mas dá uma inquietação ver aquele casaco de ~couro~ que eu nunca usei, a sandália de salto que está mofada, as três camisetas rendadas que eu nem lembrava que tinha. Fico triste de entrar na onda de suprir faltas inexistentes.
Ao olhar para aquele sapato desgastado, pintado três vezes, pedindo a todos os deuses para que eu o aposente, percebo claramente que meu prazer real está em consumar minhas paixões legítimas. Como quando você está exausta, deitada, partindo para o mundo dos sonhos e aquele cheiro no pescoço e mão na barriga fazem você acordar feliz para realizar, de novo, aquele jeito (o)usado de sorrir. Gasto o que eu gosto como me gasto em quem quero. E é assim que a vida segue sem arrependimentos.  

sábado, 9 de novembro de 2013

Difícil é encontrar pessoas que nos amem "no matter what"

No curso dessa longa(?) caminhada que resumidamente chamamos de vida, descobrimos que nossa jornada por aqui começa antes mesmo de nós. Somos frutos das bagagens alheias, de nossos pais. Nascemos com um prefácio de história bem definido e só a partir dele construímos o algo-nosso. 

E começamos cedo, sem nem ao menos discernir que nossos primeiros passos estariam desenhando quem nós seríamos no futuro. Quem lhe deu o primeiro banho, se fomos amamentados, se tivemos uma infância feliz, nosso primeiro dia na escola, o que levávamos na lancheira, nosso primeiro coleguinha de classe, a tia do jardim, o dever de casa, nossa casa, se temos irmãos, quem foi a nossa babá, se tínhamos condição de ter uma babá, a primeira nota baixa, a recuperação, o primeiro amor, a primeira decepção... 

Ninguém nos ensinou como crescer e qual é o nosso papel nessa história. Durante muito tempo, inclusive, nem nos damos conta de que somos os protagonistas, mesmo porque não tínhamos autonomia de ser. Eramos crianças e ser era coisa de gente grande. Automaticamente e imaturamente, fomos direcionados à vida em sociedade: a educação. Acreditamos naquilo que nos ensinaram e tudo - sendo novo, fresco - chegava-nos com excelente aceitação. E, assim, foi se formando a base do que seríamos mais tarde. 

Na adolescência, procurávamos novos ídolos que não seriam mais os nossos pais. Eles perderam as máscaras, foram descobertos sem fechar a porta. Passávamos a entender, mesmo que sob efeito de hormônios em erupção, que crescer estava nos levando a algum lugar. Só nos restava descobrir que lugar era esse. Olhávamos para trás a fim de alcançar alguma luz de onde vieramos, mas o que víamos eram apenas as máscaras de nossos únicos ídolos ao chão. Tudo, à luz dessa fase, nos parecia imagens borradas, um mundo turvo. A única certeza que tínhamos era: "precisamos acreditar em algo que nos sustente, pois começamos a engatinhar agora!" Nesse momento, surgiam nossos primeiros "andadores": Mick Jagger, Beatles, Madonna, Deus?  Qualquer coisa que orientasse a nossa rosa dos ventos.  

Já a juventude é uma época tão trágica quanto libertadora. Começamos a entender que somos parte de um todo imenso, o mundo, cheio de variedades, carências, complexos individuais, prazeres e dor. Olhamos para trás e soltamos um "puta que pariu, por que eu não fiz aquilo naquela oportunidade?". A resposta seria: simplesmente porque não havíamos chegado nesse ponto, no ponto de entender as coisas. Chegamos aos vinte e poucos anos cheios de conceitos engessados, cheios de concretude de ideias que nem sabemos de onde vieram. Novamente a vida nos parece turva. Temos idade e, muitas vezes, autonomia de ser, mas já somos e nem percebemos. Fomos levados até aqui por uma coisa que nos habituamos a chamar de crescimento. Cresceram a gente. A partir de agora é definir o que fazer com o que temos nas mãos. 

Os mais corajosos adultos usam o material como referência de desconstrução. Enfrentam seus medos, seus traumas, suas dúvidas. Planejam, cutucam, resolvem. Os Florentinos Ariza acreditam que o amor salva e que basta encontrar quem nos ame como somos que viveremos a felicidade. Os quietos, concisos e politicamente corretos agonizam por dentro e se enchem de ansiolíticos como se tapassem com uma rolha uma garrafa de champanhe prestes a explodir. Tem também os mais comuns, que encontram válvulas de escape, bem ao contrário dos concisos. Nesse caso, eles aproveitam todo o arsenal da modernidade, desde drogas a baladas sem propósito que irão alimentar uma sede de ser que termina na manhã (ou tarde) do dia seguinte. E muitos passam da faixa dos trinta vivendo isso. A famosa síndrome de Peter Pan. Os que sofrem dessa síndrome têm medo do próximo "estágio", como no Mário World. Então, já que passaram um bom tempo vivendo os vinte e poucos anos, acomodaram-se por ali mesmo. Sem novas síndromes.

O que leva o mundo para frente(?) é exatamente não enxergar e brecar a vida com um freio de mão. Paradoxal? Isso, assim mesmo. Melhor metáfora seria dizer que esses dirigem a vida em piloto automático ou desligaram ela, mas sem tirar da tomada, no stand by. Aí não tem sofrimento: panos quentes em qualquer urgência de vida (fica aí, cara, cresce agora não, vai ter bolo!). Em outras palavras: não assume posições novas.

Eu, no curso dessa longa (?) história minha, tive a sorte de ter poucos e bons amigos, com os quais eu posso ser livremente. Não que a nossa existência esteja fadada à limitada condição de nascença. Todos nós estamos sempre, incansavelmente, buscando ser melhores - às vezes, nem percebemos isso, mas estamos. Muitas vezes, erradamente, mas estamos. Seja para si mesmo, seja para os outros. E, no ideal dos casos, todas as respostas anteriores estariam corretas. 

Levantei bandeiras, fui do rock, do samba e passei pelo axé dignamente na época que tinha que ser. Chorei de saudade, morri de amores, confessei ao telefone, prometi e não cumpri, menti, dancei, acolhi e fui acolhida. 

Fui adulto maduro aos 15, comecei a adolescência rebelde aos 19, fui mimada e infantil - quase uma bebê chorona - aos 20 e hoje vivo a incoerência, indecência e insistência de ser uma Florentino Ariza aos 25. A minha vida não foi o revés do natural, de forma alguma. Mas é bagunçada. Aos 8 fui forte, aos nove fui firme, aos 10 botei no colo uma criança de 50 anos, chorando uma dor que eu nem compreendia o que era nem sabia de onde vinha, aos 11 fugi do mundo e saí de casa. Fui mãe aos 12 e abandonei o filho aos 23 anos. Cresci antes da hora e hoje sou Benjamin Button da vida real. 

Se a minha vida pudesse ser comparada à  construção de uma cidade, Oscar Niemeyer morreria muito antes dos 104 anos só do choque da decepção. Seria muita contramão pra uma cidade só. Felizmente, estamos falando de gente, essas que têm a capacidade de se moldar a qualquer eventualidade. Infelizmente, também, falamos de gente, que em qualquer adaptação a novas realidades, nenhum projeto, por mais perfeito que seja planejado e por mais dedicação que se atribua, pode garantir o sucesso da conclusão final na prática. Tem remendo para tudo quanto é lado. E enquanto se conserta um ponto, novas falhas vão surgindo. 
Nossos ídolos agora são os nossos amigos. Descem os posteres de rock na parede do quarto e acumulam-se fotografias de amizade. Antes, dávamos os primeiros passos com a ajuda de andadores; agora, nossas bengalas são outras, de madeira de lei. 

Graças a Deus ainda existe amor nessa vida.

Aceitando o fim

Não é exato. É preciso ser sentido, lá dentro, bem, bem no fundo. Não adianta lamentar o leite escorrendo pela mesa, aquele líquido chupado pela madeira há de se derramar muito em breve em suas pernas. Passa, antes disso, um pano seco; enxuga bem. Aceita o copo vazio, o que já foi. A última gota.

Não há mais porque cerrar os punhos. Não há luta. Não há mais nada. 

Vem cá que te digo que se manter é a pior das escolhas. É alargar a dor uns sete palmos adiante. Um tapete vermelho em que você certamente não vai querer passar mais uma vez. Aceitar o fim é virar à direita, para novos caminhos. É seguir consciente, ainda que com lágrimas nos olhos, buscando caminhos mais claros, mais leves, ainda que desconhecidos. Aceite a dor também. Ela faz parte do fim. 

Não brinque no pique-esconde de se iludir. Nenhuma meia palavra vai salvar o que já foi. Nem a palavra inteira. Esta que já se colocou à frente tantas vezes. Aceita. Mesmo que não seja fácil agora. Aceitar o fim é promessa de coração mais tranquilo, é virar a página e guardar o livro na estante para, vez ou outra, folhear e se emocionar com lembranças.

Aceita o fim sem estampar tua dor na cara dos outros, sem agredir, aceita mansamente. Aceita e você vai ver o quão melhor você vai se sentir. Não é possível ser fortaleza sempre e  não existe perder ou ganhar. Há só o vivido e o não vivido. Aceita e um outro alguém vai te aceitar também, tão bem.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Olhar estrangeiro



Todos os dias eu passo por um dos lugares mais bonitos da cidade. Olho o chão com aqueles olhos semicerrados de sono e me deparo com as pedras portuguesas tão típicas daqui. Ainda arrastando o lençol, levanto a cabeça ao sair da estação de metro e me dou conta de que ainda não conheci o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes. Juntos, eles formam essa tríade maravilhosa da minha praça-obrigação diária. 


A praça da Cinelândia é fascinante. Aí é bom ser nova aqui, ser uma quase turista nessa cidade. Só quem é novo consegue parar no tempo, na ligeireza da rotina, para reparar nesses instantes de beleza. 

Lembrei do meu Recife. Imaginando quantas e quantas ruas não passaram por mim ao longo de tantos anos sem que eu tivesse o prazer e a generosidade com elas de simplesmente olhar. Fiquei buscando possíveis lugares em que estive e que não me dei ao trabalho de parar, de mais do que olhar, ver. 

Teve aquele dia em que eu andei correndo do Cais de Santa Rita até o Fórum Tomaz de Aquino. Tenho certeza de que naquela tarde, por volta das 17 hrs, o sol desenhava aquele cartão postal lindo da cidade, dando adeus aos recifenses e agradecendo por mais um dia nas águas do Capibaribe. Tenho certeza, mas não vi. 

No dezembro do ano passado, raiar do dia, depois de ter bebericado na rua da Aurora, ter ido parar na rua Tomazina, Moeda e outras tantas daquele Recife Antigo lindo, perdi de ver o amanhecer na Praça do Marco-zero e deixei minhas atenções se perderem em qualquer amigo que pulava no rio, em qualquer outra cerveja na barraca da esquina, em qualquer paranoia de voltar. 

Acho que depois de tantos anos pulando o frevo nas ladeiras de Olinda é que parei para escutar de verdade aquele som que é meu. Era 8h20 da manhã, de uma terça-feira chuvosa, exatamente na praça da Cinelândia. Foi ali que o Rio me trouxe Recife. 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Femme fatale

Eu não sou sensual. Mas me emociono ao ver alguém que seja. Uma mulher sensual não é aquela que veste pouco, que fala coisas ou que avança de corpo em cima das pessoas. Uma mulher sensual transfere sua alma ao mundo em pequenos detalhes. Ao balançar ao som de um bom samba, ao cantar um jazz movendo o corpo calmamente de um lado para o outro acompanhando a volúpia do som sem agredir o ar, simplesmente seguindo uma brisa leve à la Nina Simone, ou mesmo ao tirar o cabelo do rosto, ao tocar com jeito nas pessoas, assim, nos mínimos detalhes. Eu tenho um cabelo bem bonito, pelo menos do meu ponto de vista, mas não sei tirá-los do rosto com desenvoltura. Me falta o charme de ser sexy, de compor o meu espírito humano e sexual além. 

Não falo de coxas, quadris fartos, peitos arredondados e proeminentes. Isso são apenas atributos a mais. Já pensou se a minha natureza tivesse fadada ao fracasso da sensualidade desde que nasci e me levanto nessas pernas finas que Deus me deu? Claro que não pode, seria injusto por demais. A sensualidade vem de dentro, de bem dentro. De uma segurança que não mora em mim, que nunca morou. 

Acho bem bonito uma mulher sensual quando chega. Ela tem um brilho próprio acompanhado de muitos, muitos olhares. Os homens ao redor possivelmente gostariam de tê-la ao lado, por sua segurança, pela autoestima bem alimentada, por um quê a mais que a moça de suingue próprio carrega no sorriso. 

A mulher sensual é sensual até quando entorna uma lapada de cachaça. O faz numa desenvoltura de poucos, deixando, quem sabe, uma gotinha percorrer o limiar entre a linha do lábio inferior e o buraquinho do queixo. Pousa o copo na mesa com elegância e cruza as pernas como se ensaiasse uma apresentação de balé. E ri com o olhar; acusa com o olhar; faz sexo com o olhar, e talvez com todos os membros do seu corpo sem sequer sair do lugar. 

A mulher sensual, a verdadeira, é uma das coisas mais bonitas que eu já vi.

#chatiadíssima




Se o Houaiss fosse ilustrado, certamente Twiggy seria a imagem do termo blasé. Não conheço nada de Twiggy. Sei que era modelo uber top e que posava, frequentemente, fazendo cara de abuso (#chatiada). Além disso, sei que era linda.
Como Twiggy, vejo carinhas enjoadas na maioria dos lugares onde vou. E me ocorre sempre a questão: Serão essas criaturas dotadas de tão pouca autoestima que precisam, antes de serem rejeitadas, dizer publicamente que não se importam? Ou o caso é justamente o oposto: diante de tamanha autoestima e genialidade, a náusea dessas pessoas se torna evidente ao ter que habitar esse mundo com o resto dos mortais?
De uma forma ou de outra, não houve uma figurinha blasé que não tenha me parecido uma atuação de quinta. Em suas singulares insatisfações, todas sabem apontar o defeito dos outros (de todos os outros que as rodeiam) sem perceber que incorrem nos mesmos erros. Em suas geniais atuações, conseguem exprimir opiniões, que, na maioria das vezes, podem ser adiantadas se lermos a coluna de fulaninho de tal que está na ~moda~, mesmo quando o colunista se opõe a uma opinião que a Twiggety tenha dado há pouco tempo.
Conhecem tudo de literatura/cinema/música, mas, sobre aquele livro, só conseguem dizer: eu li, é ótimo. Todo mundo é desinteressante, mesmo o melhor amigo que a twiggety abraçava um segundo atrás. E seu senso de humor é baseado em ridicularizar o outro para, é claro, ressaltar o quanto é maravilhosa. E são geniais, já disse isso? Aliás, grande parte do desgosto e da cara de quem precisa tomar Actívia vem do fato de não terem ganho um prêmio por existir.
O nível de insatisfação é tão grande e constante que chega a ser contagioso. Inclusive, preciso ir ali tomar um lacto-purga ou vodca para me livrar do peso e dos tormentos dessa vida injusta que me persegue. Ser blasé dá uma preguiça...