sábado, 14 de dezembro de 2013

Âmago

a André Braga

Sempre tive uma relação forte com a Língua portuguesa. Não sei se por uma questão essencial, por educação de casa ou se pelo meu verdadeiro amor por histórias. Ouvir e contar alcançou tamanha importância em minha vida que daí deve ter nascido a minha necessidade de registrar.

Escrever, então, é uma forma de eternizar minhas experiências com o mundo. Esse planeta sensorial, que me chega a tato, me toma os ouvidos, me salta (a)os olhos e faz eu me expandir em verbo. 

Vivo buscando a forma mais exata de dizer. Acredito que vou morrer sem encontrá-la. Mas essa aproximação com a natureza das palavras, de onde elas vêm e como utilizá-las como ferramentas de construção de sentido, aguça cada vez mais a minha procura por entender os meandros de minha Língua, é alimento. 

Não sei crescer sem me contar. Muito menos consigo conceber meu dia a dia sem o verbo do outro. A palavra tem por si essa necessidade de troca. 

Junto, então, uma voz na outra, construindo minha vida em vigas de sujeitos verborrágicos, em firulas de adjetivações, articulando tudo que é exato, conhecido. Amando as letras, sempre.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Viver é preciso

 Para ler de manhã e à noite

Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.


Brecht

Achou, perdido pela memória, um poema de Brecht. Os últimos versos diziam: "receio ser morta por um só gota de chuva". Quando os recebeu, num dia nublado, há muitos anos atrás, os versos não passavam de um afago, uma paquera. Jamais se realizaram, até aquele momento em que a lembrança os rea(s)cendeu, em outro amor.
Naquele momento, aquele texto ressurgiu como que reivindicando seu devido lugar. Naquele momento, ela se cuidava, olhava seu caminho e temia que qualquer coisa interrompesse sua estrada, porque precisava ser. Precisava vivê-la em cada grão momento. E viver, agora, era muito importante.

O amor, em sua forma mais plena, parecia lhe conceder a consciência da vida. O amor desenrolava os nós, convidava pra dançar um tango e gargalhava por existir.Naquele mundo de angústias, foi o amor que lhe revelou seu lugar. Com calma, o amor lhe pegou pela mão e se deixou guiar.

Naquele momento, ela agradecia pelo passado e pelo poema, mas, principalmente, pelo presente, pelos sorrisos de hoje, pela cumplicidade dos silêncios e conversas e noites e dias de agora. Ela agradecia por viver tudo aquilo que ninguém jamais poderia entender. E ser grata era a forma mais bonita de amar.

Rosa dos ventos

O sentido
só tem sentido
quando sentido
por dentro.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sentidos

Dessas ausências de som que doem no ouvido. No não dito de dizer à flor da pele. O verbo ultrapassando as fronteiras das ferramentas corporais para isso e aquilo. Desafiando as leis da anatomia humana e transpondo nossa alma além. Essa que grita sua necessidade funda e que bate nota por nota em nossas entranhas sem sair. Não vibra nas cordas vocais, mas faz tremer as carnes. Sufoca a respiração, que briga com a língua pela passagem do ar. Mas não vai. É preciso outras e novas ferramentas. É preciso olhos, olfato, pele. É preciso mais. 

Ser palavra não basta.

sábado, 23 de novembro de 2013

Continuum

Só houve um momento em que a sua partida não seria o fim, Bomba H na sua existência. O corpo em pé, sem vida, a alma ia. Talvez, outro dia, se reencontrasse, entre as folhas de um livro, entre as notas de uma música ou num quadro de Van Gogh. Mas sabia que no instante em que ele partisse, ela partia também, pra outra vida, que já se iniciava com uma ferida, com uma dor aguda, com uma ausência.
Naquele momento em que podia deixá-lo ir, em que percebera que sua ida seria a melhor saída, ele pediu, com calma, pra ficar...
Sem fim.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Quebra-cabeça ou junta-coração?



Brincando de pique-esconde com o passado, fui descoberta embaixo da cama, com medo do monstro de ontem que vive dentro do armário. Fechar a porta não adianta. Cercar-se de quatro arestas bem definidas não é deixar de existir; é apenas limitar a condição de existência a um quadrado perfeito e conhecido. Bonito mesmo é entender-se como pedacinhos de lembranças. Um quebra-cabeça humano de infinitas peças é o que somos.




sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Consumar e não consumir


Me pergunto, sinceramente, quais foram os motivos que me levaram a comprar o celular tal, que custava metade do meu salário e tinha os mesmos benefícios que o outro que não tinha a maçã mordida. Me pego, vez ou outra, caindo nessas armadilhas deslumbrantes de consumir o que não posso para saciar a necessidade que não tenho.
Isso vai em roupas; sapatos; eletrônicos, que eu uso, mas nem tanto, mas nem sempre, mas nem lembro... O kindle, coitado, não superou nenhum dos cinco livros novos com aquele cheirinho de delícia que a maioria dos livros tem.
No celular, não sei nem botar música, creia! Meu computador poderia ser substituído por uma máquina de escrever facilmente (papel e caneta não, pois sou preguiçosa). Se eu pagasse pra usar o Word estaria, certamente, falida, mas, novamente, pra baixar uma música, filme ou assistir um seriado só Jesus segurando a minha mão.
Felizmente, consigo me conter em relação à maioria dos impulsos, já passei da minha fase Becky Bloom. Hoje, só vez em quando, mas quando acontece bate aquele remorso. Não é que eu me arrependa do Kindle (afinal, a eternidade de livros que tem dentro dele esperando por mim aquece e acalma meu coração, que tenta ser consciente) ou do celular, que virou meu computador para acesso às redes de relacionamento. Mas dá uma inquietação ver aquele casaco de ~couro~ que eu nunca usei, a sandália de salto que está mofada, as três camisetas rendadas que eu nem lembrava que tinha. Fico triste de entrar na onda de suprir faltas inexistentes.
Ao olhar para aquele sapato desgastado, pintado três vezes, pedindo a todos os deuses para que eu o aposente, percebo claramente que meu prazer real está em consumar minhas paixões legítimas. Como quando você está exausta, deitada, partindo para o mundo dos sonhos e aquele cheiro no pescoço e mão na barriga fazem você acordar feliz para realizar, de novo, aquele jeito (o)usado de sorrir. Gasto o que eu gosto como me gasto em quem quero. E é assim que a vida segue sem arrependimentos.  

sábado, 9 de novembro de 2013

Difícil é encontrar pessoas que nos amem "no matter what"

No curso dessa longa(?) caminhada que resumidamente chamamos de vida, descobrimos que nossa jornada por aqui começa antes mesmo de nós. Somos frutos das bagagens alheias, de nossos pais. Nascemos com um prefácio de história bem definido e só a partir dele construímos o algo-nosso. 

E começamos cedo, sem nem ao menos discernir que nossos primeiros passos estariam desenhando quem nós seríamos no futuro. Quem lhe deu o primeiro banho, se fomos amamentados, se tivemos uma infância feliz, nosso primeiro dia na escola, o que levávamos na lancheira, nosso primeiro coleguinha de classe, a tia do jardim, o dever de casa, nossa casa, se temos irmãos, quem foi a nossa babá, se tínhamos condição de ter uma babá, a primeira nota baixa, a recuperação, o primeiro amor, a primeira decepção... 

Ninguém nos ensinou como crescer e qual é o nosso papel nessa história. Durante muito tempo, inclusive, nem nos damos conta de que somos os protagonistas, mesmo porque não tínhamos autonomia de ser. Eramos crianças e ser era coisa de gente grande. Automaticamente e imaturamente, fomos direcionados à vida em sociedade: a educação. Acreditamos naquilo que nos ensinaram e tudo - sendo novo, fresco - chegava-nos com excelente aceitação. E, assim, foi se formando a base do que seríamos mais tarde. 

Na adolescência, procurávamos novos ídolos que não seriam mais os nossos pais. Eles perderam as máscaras, foram descobertos sem fechar a porta. Passávamos a entender, mesmo que sob efeito de hormônios em erupção, que crescer estava nos levando a algum lugar. Só nos restava descobrir que lugar era esse. Olhávamos para trás a fim de alcançar alguma luz de onde vieramos, mas o que víamos eram apenas as máscaras de nossos únicos ídolos ao chão. Tudo, à luz dessa fase, nos parecia imagens borradas, um mundo turvo. A única certeza que tínhamos era: "precisamos acreditar em algo que nos sustente, pois começamos a engatinhar agora!" Nesse momento, surgiam nossos primeiros "andadores": Mick Jagger, Beatles, Madonna, Deus?  Qualquer coisa que orientasse a nossa rosa dos ventos.  

Já a juventude é uma época tão trágica quanto libertadora. Começamos a entender que somos parte de um todo imenso, o mundo, cheio de variedades, carências, complexos individuais, prazeres e dor. Olhamos para trás e soltamos um "puta que pariu, por que eu não fiz aquilo naquela oportunidade?". A resposta seria: simplesmente porque não havíamos chegado nesse ponto, no ponto de entender as coisas. Chegamos aos vinte e poucos anos cheios de conceitos engessados, cheios de concretude de ideias que nem sabemos de onde vieram. Novamente a vida nos parece turva. Temos idade e, muitas vezes, autonomia de ser, mas já somos e nem percebemos. Fomos levados até aqui por uma coisa que nos habituamos a chamar de crescimento. Cresceram a gente. A partir de agora é definir o que fazer com o que temos nas mãos. 

Os mais corajosos adultos usam o material como referência de desconstrução. Enfrentam seus medos, seus traumas, suas dúvidas. Planejam, cutucam, resolvem. Os Florentinos Ariza acreditam que o amor salva e que basta encontrar quem nos ame como somos que viveremos a felicidade. Os quietos, concisos e politicamente corretos agonizam por dentro e se enchem de ansiolíticos como se tapassem com uma rolha uma garrafa de champanhe prestes a explodir. Tem também os mais comuns, que encontram válvulas de escape, bem ao contrário dos concisos. Nesse caso, eles aproveitam todo o arsenal da modernidade, desde drogas a baladas sem propósito que irão alimentar uma sede de ser que termina na manhã (ou tarde) do dia seguinte. E muitos passam da faixa dos trinta vivendo isso. A famosa síndrome de Peter Pan. Os que sofrem dessa síndrome têm medo do próximo "estágio", como no Mário World. Então, já que passaram um bom tempo vivendo os vinte e poucos anos, acomodaram-se por ali mesmo. Sem novas síndromes.

O que leva o mundo para frente(?) é exatamente não enxergar e brecar a vida com um freio de mão. Paradoxal? Isso, assim mesmo. Melhor metáfora seria dizer que esses dirigem a vida em piloto automático ou desligaram ela, mas sem tirar da tomada, no stand by. Aí não tem sofrimento: panos quentes em qualquer urgência de vida (fica aí, cara, cresce agora não, vai ter bolo!). Em outras palavras: não assume posições novas.

Eu, no curso dessa longa (?) história minha, tive a sorte de ter poucos e bons amigos, com os quais eu posso ser livremente. Não que a nossa existência esteja fadada à limitada condição de nascença. Todos nós estamos sempre, incansavelmente, buscando ser melhores - às vezes, nem percebemos isso, mas estamos. Muitas vezes, erradamente, mas estamos. Seja para si mesmo, seja para os outros. E, no ideal dos casos, todas as respostas anteriores estariam corretas. 

Levantei bandeiras, fui do rock, do samba e passei pelo axé dignamente na época que tinha que ser. Chorei de saudade, morri de amores, confessei ao telefone, prometi e não cumpri, menti, dancei, acolhi e fui acolhida. 

Fui adulto maduro aos 15, comecei a adolescência rebelde aos 19, fui mimada e infantil - quase uma bebê chorona - aos 20 e hoje vivo a incoerência, indecência e insistência de ser uma Florentino Ariza aos 25. A minha vida não foi o revés do natural, de forma alguma. Mas é bagunçada. Aos 8 fui forte, aos nove fui firme, aos 10 botei no colo uma criança de 50 anos, chorando uma dor que eu nem compreendia o que era nem sabia de onde vinha, aos 11 fugi do mundo e saí de casa. Fui mãe aos 12 e abandonei o filho aos 23 anos. Cresci antes da hora e hoje sou Benjamin Button da vida real. 

Se a minha vida pudesse ser comparada à  construção de uma cidade, Oscar Niemeyer morreria muito antes dos 104 anos só do choque da decepção. Seria muita contramão pra uma cidade só. Felizmente, estamos falando de gente, essas que têm a capacidade de se moldar a qualquer eventualidade. Infelizmente, também, falamos de gente, que em qualquer adaptação a novas realidades, nenhum projeto, por mais perfeito que seja planejado e por mais dedicação que se atribua, pode garantir o sucesso da conclusão final na prática. Tem remendo para tudo quanto é lado. E enquanto se conserta um ponto, novas falhas vão surgindo. 
Nossos ídolos agora são os nossos amigos. Descem os posteres de rock na parede do quarto e acumulam-se fotografias de amizade. Antes, dávamos os primeiros passos com a ajuda de andadores; agora, nossas bengalas são outras, de madeira de lei. 

Graças a Deus ainda existe amor nessa vida.

Aceitando o fim

Não é exato. É preciso ser sentido, lá dentro, bem, bem no fundo. Não adianta lamentar o leite escorrendo pela mesa, aquele líquido chupado pela madeira há de se derramar muito em breve em suas pernas. Passa, antes disso, um pano seco; enxuga bem. Aceita o copo vazio, o que já foi. A última gota.

Não há mais porque cerrar os punhos. Não há luta. Não há mais nada. 

Vem cá que te digo que se manter é a pior das escolhas. É alargar a dor uns sete palmos adiante. Um tapete vermelho em que você certamente não vai querer passar mais uma vez. Aceitar o fim é virar à direita, para novos caminhos. É seguir consciente, ainda que com lágrimas nos olhos, buscando caminhos mais claros, mais leves, ainda que desconhecidos. Aceite a dor também. Ela faz parte do fim. 

Não brinque no pique-esconde de se iludir. Nenhuma meia palavra vai salvar o que já foi. Nem a palavra inteira. Esta que já se colocou à frente tantas vezes. Aceita. Mesmo que não seja fácil agora. Aceitar o fim é promessa de coração mais tranquilo, é virar a página e guardar o livro na estante para, vez ou outra, folhear e se emocionar com lembranças.

Aceita o fim sem estampar tua dor na cara dos outros, sem agredir, aceita mansamente. Aceita e você vai ver o quão melhor você vai se sentir. Não é possível ser fortaleza sempre e  não existe perder ou ganhar. Há só o vivido e o não vivido. Aceita e um outro alguém vai te aceitar também, tão bem.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Olhar estrangeiro



Todos os dias eu passo por um dos lugares mais bonitos da cidade. Olho o chão com aqueles olhos semicerrados de sono e me deparo com as pedras portuguesas tão típicas daqui. Ainda arrastando o lençol, levanto a cabeça ao sair da estação de metro e me dou conta de que ainda não conheci o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes. Juntos, eles formam essa tríade maravilhosa da minha praça-obrigação diária. 


A praça da Cinelândia é fascinante. Aí é bom ser nova aqui, ser uma quase turista nessa cidade. Só quem é novo consegue parar no tempo, na ligeireza da rotina, para reparar nesses instantes de beleza. 

Lembrei do meu Recife. Imaginando quantas e quantas ruas não passaram por mim ao longo de tantos anos sem que eu tivesse o prazer e a generosidade com elas de simplesmente olhar. Fiquei buscando possíveis lugares em que estive e que não me dei ao trabalho de parar, de mais do que olhar, ver. 

Teve aquele dia em que eu andei correndo do Cais de Santa Rita até o Fórum Tomaz de Aquino. Tenho certeza de que naquela tarde, por volta das 17 hrs, o sol desenhava aquele cartão postal lindo da cidade, dando adeus aos recifenses e agradecendo por mais um dia nas águas do Capibaribe. Tenho certeza, mas não vi. 

No dezembro do ano passado, raiar do dia, depois de ter bebericado na rua da Aurora, ter ido parar na rua Tomazina, Moeda e outras tantas daquele Recife Antigo lindo, perdi de ver o amanhecer na Praça do Marco-zero e deixei minhas atenções se perderem em qualquer amigo que pulava no rio, em qualquer outra cerveja na barraca da esquina, em qualquer paranoia de voltar. 

Acho que depois de tantos anos pulando o frevo nas ladeiras de Olinda é que parei para escutar de verdade aquele som que é meu. Era 8h20 da manhã, de uma terça-feira chuvosa, exatamente na praça da Cinelândia. Foi ali que o Rio me trouxe Recife. 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Femme fatale

Eu não sou sensual. Mas me emociono ao ver alguém que seja. Uma mulher sensual não é aquela que veste pouco, que fala coisas ou que avança de corpo em cima das pessoas. Uma mulher sensual transfere sua alma ao mundo em pequenos detalhes. Ao balançar ao som de um bom samba, ao cantar um jazz movendo o corpo calmamente de um lado para o outro acompanhando a volúpia do som sem agredir o ar, simplesmente seguindo uma brisa leve à la Nina Simone, ou mesmo ao tirar o cabelo do rosto, ao tocar com jeito nas pessoas, assim, nos mínimos detalhes. Eu tenho um cabelo bem bonito, pelo menos do meu ponto de vista, mas não sei tirá-los do rosto com desenvoltura. Me falta o charme de ser sexy, de compor o meu espírito humano e sexual além. 

Não falo de coxas, quadris fartos, peitos arredondados e proeminentes. Isso são apenas atributos a mais. Já pensou se a minha natureza tivesse fadada ao fracasso da sensualidade desde que nasci e me levanto nessas pernas finas que Deus me deu? Claro que não pode, seria injusto por demais. A sensualidade vem de dentro, de bem dentro. De uma segurança que não mora em mim, que nunca morou. 

Acho bem bonito uma mulher sensual quando chega. Ela tem um brilho próprio acompanhado de muitos, muitos olhares. Os homens ao redor possivelmente gostariam de tê-la ao lado, por sua segurança, pela autoestima bem alimentada, por um quê a mais que a moça de suingue próprio carrega no sorriso. 

A mulher sensual é sensual até quando entorna uma lapada de cachaça. O faz numa desenvoltura de poucos, deixando, quem sabe, uma gotinha percorrer o limiar entre a linha do lábio inferior e o buraquinho do queixo. Pousa o copo na mesa com elegância e cruza as pernas como se ensaiasse uma apresentação de balé. E ri com o olhar; acusa com o olhar; faz sexo com o olhar, e talvez com todos os membros do seu corpo sem sequer sair do lugar. 

A mulher sensual, a verdadeira, é uma das coisas mais bonitas que eu já vi.

#chatiadíssima




Se o Houaiss fosse ilustrado, certamente Twiggy seria a imagem do termo blasé. Não conheço nada de Twiggy. Sei que era modelo uber top e que posava, frequentemente, fazendo cara de abuso (#chatiada). Além disso, sei que era linda.
Como Twiggy, vejo carinhas enjoadas na maioria dos lugares onde vou. E me ocorre sempre a questão: Serão essas criaturas dotadas de tão pouca autoestima que precisam, antes de serem rejeitadas, dizer publicamente que não se importam? Ou o caso é justamente o oposto: diante de tamanha autoestima e genialidade, a náusea dessas pessoas se torna evidente ao ter que habitar esse mundo com o resto dos mortais?
De uma forma ou de outra, não houve uma figurinha blasé que não tenha me parecido uma atuação de quinta. Em suas singulares insatisfações, todas sabem apontar o defeito dos outros (de todos os outros que as rodeiam) sem perceber que incorrem nos mesmos erros. Em suas geniais atuações, conseguem exprimir opiniões, que, na maioria das vezes, podem ser adiantadas se lermos a coluna de fulaninho de tal que está na ~moda~, mesmo quando o colunista se opõe a uma opinião que a Twiggety tenha dado há pouco tempo.
Conhecem tudo de literatura/cinema/música, mas, sobre aquele livro, só conseguem dizer: eu li, é ótimo. Todo mundo é desinteressante, mesmo o melhor amigo que a twiggety abraçava um segundo atrás. E seu senso de humor é baseado em ridicularizar o outro para, é claro, ressaltar o quanto é maravilhosa. E são geniais, já disse isso? Aliás, grande parte do desgosto e da cara de quem precisa tomar Actívia vem do fato de não terem ganho um prêmio por existir.
O nível de insatisfação é tão grande e constante que chega a ser contagioso. Inclusive, preciso ir ali tomar um lacto-purga ou vodca para me livrar do peso e dos tormentos dessa vida injusta que me persegue. Ser blasé dá uma preguiça...

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O mundo está pra acabar

Ouvi dizer que o mundo tá pra acabar. Ouvir dizer não, ele mesmo me contou, o mundo.
Abro o jornal e dou de cara com todo tipo de desespero. Isso é ele gritando. Quase choro, mas antes de me doar ao drama, tenho esse costume de dar uns tragos no café. 

O mundo começa a acabar aí, na sua casa, que já acorda dando rabissaca pra o dia que ainda nem sustenta a luz do sol direito. Aí o tal do jornal, pra afundar você na cadeira e abduzir o que restou do ânimo economizado no fim de semana pra começar a segunda feira. Mais rabissaca pra o pão que não torra naquela sanduicheira que você economizou na hora de comprar e que agora tá colhendo os louros da pirangagem. Tudo irrita, tudo reclama, você aí dentro, você no mundo, mais um.

Agora multiplique essa pequena parcela da vida por sei lá quantos bilhões de Zé Ninguens, o mundo. Imagine um planeta inteiro em fúria! Como ser feliz assim?

Para isso, há mil e uma invenções: quem fuma fuma, quem bebe bebe, quem joga joga, quem xinga xinga, quem grita grita mais ainda e quem gosta de descontar o desgosto no outro, agora, chuta o pau da barraca. Vamos lá, a hora é essa!


Quero dizer, não adianta ser budista e não cumprimentar o porteiro. Muito menos cumprimentar o porteiro e bater na mulher, em casa. Não adianta ir pra igreja pra rezar com padre Edvaldo todo domingo na praça de Casa Forte a fim de garantir um lugar quentinho no céu. Não adianta, se você bota o pé cá fora e manda o flanelinha tomar no cu. Está certo que, muitas vezes, é preciso paciência. Especialmente com esses, os flanelinhas (ou empresários da rua, como já deveriam ser chamados).

Viver é muito perigoso. Mais ainda pra quem não sabe. Tem gente que não convive nem consigo mesmo, imagine! Aí é caixão e vela preta no trabalho, na família, no amor, na vida.

Há quem diga que viver é estar de passagem. Mas nem por isso vamos pensar nela como uma grande piada. Como diria Seixas, o Raul, se formos pensar assim, é bom que tenhamos a certeza de que é uma piada “um tanto quanto perigosa”.
Tenho meus 26 anos e, como todo jovem dessa faixa etária esquisita,vivo a ilusão da maturidade. Então vamos lá: no auge da minha experiência de vida, digo: tudo que vai... volta!



Dois dedos de prosa e cachaça

Eu gosto de bar. Acho que tomei essa decisão naquele dia na praia, quando eu tinha uns 7 anos e meu pai tomava uma cervejinha enquanto eu ficava na tentativa de me fazer de gente grande roubando o copo sorrateiramente e fazendo pose de maturidade, mas já denunciando a infantilidade no bigodinho de espuma.

O fato é que o mundo é dividido entre os que bebem e os que não bebem. Constatei isso na semana passada, antes eu acreditava que era possível a convivência pacífica entre ambos os grupos... não, não é.

A mesa do bar é quase o templo sagrado do bebedor. Ali, constroem-se teorias, nasce um cantor, monta-se uma banda de rock, assinam-se contratos imaginários de empregos, define-se o nome dos filhos, lança-se debates prol e contra a vida da ararinha azul, derrubam-se conceitos, fermentam-se opiniões, agrupam-se partidos, discute-se entre o tudo e o nada a partir de qualquer coisa.

Normalmente, o negócio acontece de forma natural. A partir da quinta cerveja de uma mesa de três, já se começa a falar de Lula e conceitos de direita e esquerda. Quando você menos espera, o papo degringolou pra as bandas da música e facções da mesa do lado discutem com você se Beatles é ou não é melhor que Rolling Stones, enquanto o garçom – que a essa altura já virou seu melhor amigo – traz uma porção de filé com fritas. 

Essa superestrutura é o cerne da reunião de amigos no boteco da esquina. Entretanto, semana passada, vi os alicerces desse edifício prestes a ruir. 
Sabe o que desestabiliza qualquer organismo? Um corpo estranho. Pois é. Na semana passada, vi meu sistema ser invadido por um antígeno que eu julgava ser apenas um lactobacilo. De repente, eis que surge a frase: “tás falando merda porque tás bebo, José”. 

Porra, digo eu. Deixa José falar. Ele sempre disse o que queria quando queria por aqui, meu amigo. Mal chegou e já quer sentar na janela acompanhado do seu abominável suco de abacaxi com hortelã? 
José me ensinou a teoria da inclinadinha de copo, a lei do “ligue pra o seu pai antes que ele ligue pra você”, apresentou-me o álbum Sticky fingers dos Stones – numa belíssima versão “live in Parentella” – e, por mais que não tenha criado as leis da termodinâmica, dividiu conosco sua sabedoria em termos de arrumação de cervejas em festa de aniversário. 

Grandes aprendizados de vida acontecem no bar. Fora as declarações de amor e pactos de cuspe! Nada sela uma aposta como uma caninha, nada. Aí vem um Zé roela pra estragar tudo. Garçom, desce uma dose de “se liga” pra esse cara! Mas, antes, traz mais uma gelada.

Viver

é um olhar pra trás
e outro pra frente:

vi
ver

"O Rio que passou em minha vida"

Acho que depois que vim morar na cidade maravilhosa, vivi alguns carrosséis de sentimentos. Primeiro, aquele deslumbre mais do que sensato com as belezas naturais da cidade. Eu, até hoje (diga-se de passagem), mal consigo dobrar uma esquina sem descobrir algum "rincón" encantado nessas veredas copacabanenses. Atualmente, entretanto, comecei a dividir carioca e Rio de Janeiro. 

A verdade é que conheci poucos cariocas que se equiparam às graças desse Riozão lindo. Entro num táxi e salto dele levando pra casa rabissacas, mau-humor e um troco muito do mal calculado. Peço um prato de comida em restaurante fino da orla e ganho um arremesso de bolonhesa por uma bagatela de R$ 30 reais e, para descer a comida junto com o tratamento do garçom goela abaixo, peço uma long neck que me custará pouco mais de R$ 7. Um dia, conto a história da moça do metrô, ela sozinha já renderia uma crônica charlatânica. 

Admiro o rio. Essa cidade que Deus desenhou ao final de sua experiência como criador do mundo, já diria Carlinha. Admiro não apenas pela beleza, mas por conseguir criar em mim essa onda de amor, de saudade da minha terra, de preguiça de ser gentil, de vontade de ser mais gentil ainda exercitando a "tapa de pelica" que vovó sempre me ensinou, de ser assim, tão inconstante, mas surpreendentemente encantadora. Uma cidade capaz de me dar um tapa na cara e me abençoar com um pôr do sol no Arpoador. 

Eu sou incrivelmente feliz aqui. Eu sou incrivelmente feliz exatamente porque o Rio de Janeiro é o tipo de cidade que não te presenteia como um Happy ending à la Manuel Carlos, mas que, em contrapartida, te proporciona felicidades pontuais e intensas. Simples como dar um bom-dia a um estranho. Aqui não há bons-dias aos estranhos. Aqui há outros amores, outras admirações, outras formas de ser. Ainda vou acertar em admirar os cariocas. Por enquanto, não posso me queixar de apatia.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

O politicamente correto

O ético do nosso tempo encarnou em vida na figura do politicamente correto. Aquele que é sem ser. A figura mais explorada pelas novelas da Rede Globo. Manoel Carlos chama de Helena. Você, certamente, teria outro nome a dar, pois estamos cercados deles. 

É o indivíduo que está tão bem resolvido enquanto ser social que, agora, está fazendo estágio em fiscalização de vidas alheias. Ele dita o que fazer e como fazer em aulas diárias às almas perdidas pela civilização. Ele senta com o outro, também politicamente correto, e pergunta se anda tudo bem com Fulano de tal... “porque ele parece tão distraído em suas escolhas, né?”

O politicamente correto está envolvido com as questões ambientais, com os problemas da África – mesmo que apenas mandando ppt com fotos de crianças negras raquíticas para todos os contatos da sua caixa de email – e preocupa-se intensamente com o futuro dos nossos jovens, mesmo que não tenha ideia do que o próprio filho anda fazendo pela rua. Porque, lógico, até a adolescência dos filhos dos politicamente corretos é correta. 

A intenção do cara provavelmente deve ser um lugar no céu. Esqueceu, coitado, que “céu” é uma invenção do Cristianismo que, por sua vez, está mais macomunado com o Diabo do que ele imagina. 

Eu, contudo, aceito a vida como o estrago dela mesma, vivendo até a última conta. Pessoas bem resolvidas são escravas do julgamento do mundo, travestido, hoje, de opiniões “bem resolvidas”. Essas pessoas não têm carências, não têm ambições, não têm defeitos. São coerentes, equilibradas, justas, conscientes, comportadas, mas, antes de tudo, são hipócritas.

Girando

A gente se empurra, cada um pra extremidade oposta. E uma multidão dessas que varre a vida passa correndo, esbarrando na gente, derrubando tudo. Tem dia que vem daí, tem dia que vem daqui. Mas é tudo tão cíclico e perene. É preciso mudar. Mudar com autoconhecimento. Você daí e eu de cá. A vida já deu oportunidades, mas a gente se empurra e se abraça, num paradoxo louco que mais parece uma dança. Aí eu vou e você vem. Aí eu vou e você bem. Aí eu bem e você mal. Aí você vai e eu fico. Ou eu que nunca quis ir junto com você. Ou você que não sabe conduzir. Ou eu, ainda, que não sei interpretar o mundo, as coisas ao meu redor. A vida é assim mesmo, vem cá que eu te conto que girar nessa roda gigante só faz sentido desse jeito, enxergando de cima e de baixo, mas sem perder um momento sequer. A gente aprende assim. Aí vem você, me olhando lá de baixo, eu, tão pequena no alto da roda, perplexa com tanta imensidão, e me diz pra eu descer, pra eu finalmente tocar os pés no chão. Mas eu não quero, eu enxergo melhor daqui. E você diz o que aprendeu comigo: viver é rodar, rodar, entendeu? Ficar parado nunca foi uma opção. E estira os braços pra me acolher caso eu possa cair. Mas logo é você que está lá em cima e eu embaixo, esperando ansiosa e com medo de ficar só com tanta realidade junta. Meus pés afundam na terra pra garantir apoio, mas meus olhos querem saltar lá no alto. Aí você desce é é infinito. Girando, girando, nessa tontura de vida que a gente criou, que não é certa, que é nossa, mas que faz tanto mal e tanto bem a você e a mim.

Feira das vaidades


Na feira das vaidades, não tem sandália de dedo e sacolinha de náilon. Se veste "roupa de domingo" e um sorriso de bacana. As barraquinhas são adornadas com luzes neon, de forma que cada um tenta chamar mais atenção do que o outro. 

Dona Zefa, que não atenderá jamais por esse nome, calça tamanco alto e pisa no peito das pessoas. Dona Zefa não conta história nem ladainha, mas arrota seus feitos homéricos ao longo de sua medíocre experiência de vida. 

De comer, nada de acarajé, milho verde e tampouco tapioca molhadinha na manteiga. Só tem de beber. Molhando o ego dos convidados, inflando, inflando e inflamando.

Na feira das vaidades tem tapinha no ombro e abraço afetuoso sem afeto. Uma fila imensa de sorriso pra tirar retrato. Mas poucas verdades.

Cheiro de azul

Ele, com dois dedinhos, conduzia sua curiosidade de um ombro ao outro dela. Como um bandeirante, desbravando aquele horizonte de cangote coberto por lisos cabelos castanhos. Ao pé do ouvido, entre um balbuciar de qualquer coisa doce, uma mordidinha no lóbulo da orelha, aqui e ali. A descoberta do sinal pretinho do lado esquerdo da base do pescoço, e um cheiro. Cheirar é uma tentativa de trazer um pouquinho da pessoa pra dentro, às vezes mais sexual do que o próprio sexo; às vezes mais amante que o amor. 

Anti-horário

se estás nas minhas horas
nos meus minutos e nos meus segundos

só me resta matar o tempo

Sinceridade


A sinceridade não disputa espaço com o amor. A sinceridade, entretanto, é rude e direta. Parece quando meu pai resolve tratar de coisas não muito cotidianas e que nada tem a ver com o espaço da engenharia. Meu pai se for falar em coração, vai entendê-lo do ponto de vista anatômico, como músculo que bombeia sangue. Assim, dessa forma direta e sem contornos. Tipo dedo na ferida, direto ao ponto, preto no branco.


A sinceridade também se manifesta nos gestos ou simplesmente quando se olha de um lado e é reconhecido do outro. 

Sinceridade é baixar a voz quando é desnecessária a  palavra. Pode ser um simples toque no ombro, que interrompe. Uma ligação não atendida que traiu o sentimento. Ou uma mensagem desencontrada no meio da noite. Sinceridade é respeito, muitas vezes de forma dolorosa. Mas, acima de tudo, real.  Só uma forma de amar a mais: seja você, seja o outro.

Mataram o Recife

Recife morreu.

Recife morreu no meio do trânsito da Agamenon Magalhães, na vi(d)a local, pegando pra o Derby.  

Recife morreu num último suspiro fundo, triste como a quarta-feira de cinzas cantando seu último frevo.

E morreu longe de mim, ali, mais distante do que a lonjura geográfica, longe de dentro. Sem tempo pra os abraços, sem idas e vindas nesse nosso relacionamento.

Recife morreu ali, na Mustardinha. Nas bicicletas que carregam crianças de colo debaixo do sol escaldante e único daquele bairro que mais parece a Índia, sem sinal, sem parada, sem faixa, sem lei e sem rei. Eu nunca fui a Índia, mas pelo menos se parece com a Índia que conheço na minha imaginação.

Morreu também do Pina a Setúbal, sob imagem de ser sem ser. Recife morreu na beira mar, pisoteada por salto quinze ou asfixidada por Chanel nº 5, falsificado ou não. Não há espaço pra o cheiro bom de maresia, cheiro de férias e protetor solar. Não cabe nem a minha alegria naquele calçadão estreito com uma ciclovia que desafia a inteligência das pessoas e a coordenação motora dos ciclistas.

Recife não tem mais sorriso nas ruas. Porque não há mais ruas, só vias. Não tem pedestres, não cabe. Não há espaço pra gente, só carros. Corta um pedaço da praça e cria mais uma faixa, corta, corta. Picota Recife feito aqueles folderes comtickets destacáveis de promoção. Liquida Recife a preço de banana, vai que a hora é essa, ou vem sendo, horas, meses, anos, gerações.

Recife morreu entre torres gigantescas que combinam com sua megalomania de cidade. Morreu no maior estacionamento de aeroportos da América Latina. Morreu abraçando a Caxangá, a mais longa avenida do mundo, do Brasil, da linha do Equador pra baixo ou apenas da cabeça das pessoas.

No enterro de Recife, tinha gente, muita gente importante. Todos choravam o fechar daqueles "olhos de mar". Mas afogaram o mar com lixo, com mijo, com desprezo. O funeral aconteceu no Marco Zero. Aquela palma de mão arquitetônica tão linda que, no dia, limitou-se a segurar tantos egos. Eu, que estava presente, chorei de saudade. Uma saudade de um tempo que nunca veio, que eu nunca peguei com as mãos. Aquela saudade de esperança que se frustrou.

sábado, 26 de outubro de 2013

Trabalhamos com palavras


          O bicho ser humano, essa criatura tão esperta, descobridor de continentes, ostentando seus polegares opositores e cérebros superdesenvolvido. Suprassumo do planeta, orgulho do universo, etc., etc. O homem, esse ser que consegue desenvolver um mecanismo capaz de exterminar qualquer tipo de vida, mas que ainda se perde entre os caminhos múltiplos da língua, labirinto impiedoso e, por vezes, fatal.
       As palavras, escritas ou faladas, ou sonhadas, ou não ditas, e suas tantas e tantas possibilidades, já foram a origem de tantos problemas que eu, antes de discutir, hoje em dia, já releio/relembro, pelo menos umas 70 vezes, o que me foi dado como argumentação. E, ainda assim, como escapar dos enganos? Aquele tom, aquele emoticon... O que querem dizer as entrelinhas, e o que elas dizem sem querer?
        Pessoa dada a devaneios, simpática a desvarios mil, já fiz, das minhas próprias palavras, caminhos sem volta e estradas dificultosas. A origem da palavra, falando etimologicamente, vem de comparação. Assim, a palavra seria o que a gente tem de mais próximo entre o sentir e o explicar. Como o cachimbo de Magritte, que não é um cachimbo. E, como o cachimbo de Magritte, como chegar do desenho ao objeto? Como preencher o espaço que vai da gente até o outro?

Quem aguenta?

     Arrisco-me a dizer, do alto da minha TPM, que a desorganização/exacerbação hormonal, se não é uma brincadeira do capiroto, é, certamente, sua total manifestação. Digo, que bruxaria é essa que faz com que a criatura, que há 5 minutos estava cantando “Shine happy people”, tenha vontade de ir chorar no banheiro porque o dia está nublado?
    A situação beira tanto o ridículo quanto o absurdo. De repente, não mais que de repente, sua vida inteira passa por um questionamento existencial que tem como conclusão apenas o sofrimento e a angústia, e não importa o quanto o sol esteja brilhando, seu trabalho seja massa e você tenha recebido aquela mensagem linda do boy. Nada disso tem o mínimo significado. Tudo, absolutamente tudo, minha amiga, será encoberto por essa nuvem negra que paira sobre o seu tenebroso futuro. 

    Para a cólica: Atroveran, Dorflex e todos os seus maravilhosos genéricos. Para as espinhas: maquiagem. Sim, ok. E para a vida, qual é o remédio ou solução quando você está em ebulição hormonal, hein? 

Não sou eu nem você

     Cheguei já me despedindo, te abraçando como se fosse a última vez. Talvez tenha sido, mas ter essa dúvida é uma forma de perceber, tristemente, que o adeus não se concretizou. Podia ser a melhor forma de viver o presente e também o momento. No entanto, por mais atenta que estivesse àquele instante, eram sempre as lembranças do passado e a angústia de desperdiçar nosso curto futuro que me moveram e seguraram suas mãos.
     Eu estava ali, não há dúvidas, contida, ressabiada, tentando ser aquela pessoa sensata que jamais choraria em silêncio porque a partida doía demais — enquanto, é claro, chorava em silêncio, decorando a sua posição, sentado de costas, trabalhando. Você estava inteiro, sem medo, nem do presente, nem do futuro, no máximo, tentando evitar a menção de nomes ou histórias passadas, porque você também queria a gente e porque, para você, o fim e o depois não mereciam importância se comparados a nós, ali, deitados na cama, resolvendo se devíamos ir para o blues (ou para o jazz, ou jantar) ou ficar mais um pouquinho. E fico feliz que nós dois tenhamos sempre preferido nos demorar um no outro. Sem pressa, com jeito. Você dizia: Eu troco esse jantar fácil, e eu só precisava sorrir.
     A minha vontade de lembrar de tudo, a minha necessidade de observar todos os cantos, paredes e mensagens da tua casa, as quinas do teto do teu quarto, o amontoado de instrumentos, me fizeram estar lá de uma maneira incompleta. Na ansiedade de não deixar nada passar despercebido, de viver tudo da melhor forma, me proibi de ser inteira, porque eu não podia deixar que minha impulsividade aceitasse a sugestão dos enganos diários, não podia ceder àquele instinto de passar um dia inteiro remoendo aquela sua brincadeira ébria e desajeitada, ao que você, delicadamente, ao perceber meu inusual silêncio, pedia pra que eu falasse alguma coisa, para que ficasse perto, além dos abraços, me convidava objetiva e carinhosamente para estar lá, com você. No meio da confusão de urgências desnecessárias e necessidades declinadas, deixei esse chamado óbvio à delicadeza a dois passar,
     Fico sem jeito ao perceber essa imensidão de carinho — que tenho vergonha de chamar de amor, mas que não tem outro nome — que você me inspira...   

"Nossos corações crescem dez metros e explodem"

Àmanda

    Guimarães disse que a vida é assim mesmo, esquenta e esfria, aperta e afrouxa, sossega e desinquieta. Nesse reboliço de viver, tenho tido a sorte dos encontros. Amanda foi sorte grande (alô, Ivete). Logo de cara, Beatles e Stones em comum. Depois, sem querer, Clapton. Desconfiadas, fomos nos buscando e achando uma comunhão, ainda sem tamanho, de inquietações e quereres.
    Era música pra lá, livro pra cá, filme seiquelá, café, bons drink, etc. Nos reconhecemos de uma forma egoísta, como alguém que busca a si mesmo nos outros e, assim, fica feliz de ver seu reflexo. Mas, generosamente, vamos nos acrescentando, como quem admite que as diferenças, apesar de, por vezes, pouco gentis, nos engrandecem. É assim. E seguimos.
    Para além das similaridades, a vontade de estar perto. Assim, desse jeito Recife-qualquerlugar que eu venho aprendendo a fazer desde os 18 anos.  Para além da distância, o contato constante de quem deseja muito bem. Para além dos signos (eu, como boa escorpiana, sei apenas do meu umbigo astrológico...), significantes e significados, a amizade, que cresce “ao infinito e além”. 

Porque somos encontros


a Fernanda

Acho mesmo que Fernanda tinha tudo para não dar certo comigo. Signo de escorpião bate de frente com libra. Mas tem sempre Vênus, achando que amor mesmo é a prova de fogo ou cuspido com fogo, pois não cabe tanto fervor na alma. Então nos encontramos. Eu com meu Vênus e ela com seu sol. 

Encostei a minha vida  na dela e aqui estamos, vivendo paralelamente e tão oblíquas; eu, daqui do Rio de Janeiro, e Nanda, de lá da terrinha, meu Recife eterno. 

Ainda que a geografia insista em nos separar, estamos mais juntas do que nunca. Seja em pensamento, seja nessa urgência de abraçar a vida com unhas e dentes. Acredito que nisso eu sou um tanto mais explosiva; enquanto a maguelinha, do outro lado, certamente me exigirá mais calma, nessa função de amiga que ela abraçou.

E é com muita honra e carinho que nossas letras se cruzam hoje por aqui. E, acredito, vai virar um nó de palavra e sentimento, tudo unidinho aqui, neste blog-amor